O medo de envelhecer
Num mundo que vive obcecado por ideais de beleza irrealistas, muitos deles criados com recurso à inteligência artificial, realidade cada vez mais presente nas nossas vidas, nunca a procura pelo elixir da juventude foi tão premente. São muitos aqueles que tentam esconder a idade que têm, que tudo fazem para parecer mais novos e que não aceitam o peso da passagem do tempo. São muitos aqueles que recorrem a subterfúgios, mais ou menos lícitos, no sentido de enganar o tempo, até porque a juventude, a qualquer custo, é enaltecida. São muitos aqueles que recusam festejar o seu aniversário ou que não querem que o bolo de aniversário contenha as tradicionais velas, sob pena de alguém descobrir a “terrível” idade que cada um de nós encerra.
Lidar com o processo de envelhecimento pode mesmo ser doloroso para alguns já que a passagem do tempo é encarada de forma penalizadora. Em alguns casos podemos mesmo falar em gerontofobia, medo, quase irracional, com tudo o que envolve a velhice. A verdade é que, para muitos, envelhecer parece significar que a morte está mais próxima e que o tempo que disponível para a vida é cada vez mais diminuto. Talvez esse seja um dos motivos pelos quais evitemos, de todas as formas possíveis, a temática. Não queremos encarar o fado da finitude da vida, o que faz com que, falar de velhice seja quase um tabu, até porque as pessoas, por norma, associam o envelhecimento ao declínio da saúde, da capacidade intelectual e produtiva. Criámos rótulos e olhamos de forma pejorativa para uma idade mais avançada. Julgamos que ser velho significa ser frágil, limitado e portador de dores e doenças, sendo que esta realidade é ainda mais penalizadora para as mulheres, uma vez que, de forma transversal, nas sociedades ocidentais, enquanto os homens, com o passar dos anos, ficam maduros e mais sábios, as mulheres ficam velhas e acabadas.
O problema é que, apesar de todos os esforços, estratégias ou esquemas, o envelhecimento físico e cronológico é irremediavelmente inevitável. Na atualidade, Portugal é o quarto país do mundo que tem mais pessoas com uma idade igual ou superior a 65 anos, o que faz com que a população nesta faixa etária represente já cerca de 25% da totalidade. O avanço da medicina e a melhoria significativa das condições de vida fez com que a esperança média de vida tenha aumentado, de forma exponencial, no decurso dos últimos anos. De acordo com a Organização Mundial de Saúde - OMS, em 2030, 1 em cada 6 pessoas no mundo terá 60 ou mais anos de idade. Em 2050, a população com mais de 60 anos irá mesmo duplicar, atingindo os 2.1 biliões, sendo que é expectável que o número de pessoas com mais de 80 anos triplique entre 2020 e 2050, ano em que atingirá os 426 milhões.
Assim, mais do que lutarmos para não envelhecer, devemos concentrar os nossos esforços em estratégias para que o envelhecimento seja feito com qualidade até porque, infelizmente, as políticas públicas ainda não estão adaptadas a esta nova realidade. Neste momento, mais do que focados na prevenção das doenças, continuamos a apostar apenas no seu tratamento, ou seja, em detrimento de apostarmos em políticas que potenciem um envelhecimento com qualidade, onde os mais velhos possam prosperar, continuamos a tratar apenas das consequências, esquecendo, por completo, as causas. É quase como que, em prejuízo de tentarmos prever e minimizar a possibilidade de surgir um terramoto que irá criar uma grande cratera, continuamos a querer tratar a enorme cratera com recurso a um pequeno penso para as feridas.
Nem tudo piora com a idade, bem pelo contrário. O envelhecimento traz conhecimento, experiência, autoconfiança e um aumento da autoestima, até porque aprendemos a amar o nosso corpo, as nossas rugas e todas as imperfeições que fazem de nós quem somos. E, embora existam muitos fatores que influenciam a nossa capacidade de aproveitar a vida – condições socioeconómicas, estado de saúde, entre outros – também está provado cientificamente que a felicidade tem a forma de U, ou seja, que entramos na idade adulta relativamente felizes, sentimento que diminui à medida que os anos avançam (quem não ouviu falar da famosa crise meia-idade). O segredo está que a curva da felicidade volta a subir quando somos mais velhos. E, se refletirmos e se, sobretudo, formos sinceros, facilmente percebemos porquê. Os jovens estão sujeitos a eventos muito mais stressantes que os mais velhos: como a entrada no mercado de trabalho e a consequente manutenção do emprego ou, quem sabe, a ascensão na carreira, o estabelecimento de uma relação duradoura, o nascimento dos filhos e a adaptação a essa nova realidade, entre muitos outros. Quando mais velhos, a nossa vida está estabelecida e todas as grandes decisões já foram tomadas, pelo que temos apenas de tirar o máximo proveito destas e dos dias que passam. Temos mais tempo livre para relaxar longe do stress. Com a idade tendemos a concentrarmo-nos mais nas memórias e nas informações positivas. Para além disso, a experiência também já nos ensinou a regular melhor as nossas emoções. Incontornável é também o facto de que a proximidade com a morte faz com que os mais velhos consigam apreciam muito mais e melhor o presente, o que os leva a concentrarem-se no hoje, até porque pode não existir amanhã.
Em conclusão, envelhecer não é o fim do mundo, nem sinónimo de doença. Esta é uma fase natural da vida, à qual todos nós ambicionamos chegar. Uma fase repleta de descobertas, enriquecimento, novas oportunidades e aventuras. Um tempo de sabedoria, de experiência e de calmaria do qual devemos usufruir, sem pressas e sem pressões, uma vez que o caminho já foi trilhado, a viagem já foi feita, pelo que, agora, devemos apenas apreciar as belezas descobertas e os tesouros arrecadados. Permita-se viver na sua pele, em plenitude, em todas as fases da sua vida, uma vez que todas elas encerram a regeneração da vida.